Retalhos de memória
Kate Weiss Era madrugada em Timbó/SC, ( no vale do Itajaí) há muitos anos atrás, e uma senhora com seus quatro filhos dormia em sua casinha pobre perto de um riacho.
O pai como sempre, havia saído à procura de trabalho e como não conseguiu nada novamente, deixou-se levar pela amargura e ficara em algum bar qualquer "bebendo" suas mágoas.
Era mais uma noite de chuva, e a casinha iluminada pelo clarão dos raios e relâmpagos, a família dormia junta numa cama de casal.
A menina mais velha devia ter uns seis anos, talvez menos e havia chegado naquele dia da casa de sua avó paterna para visitar sua família.
Sentia-se muito bem junto à mãe e seus irmãozinhos, mesmo que tivesse não pouco naquela casa, tão pouco de tudo, de comida, de roupas, de felicidade.
Dia a dia aquele pai de família procurava um emprego, sem sucesso e dia a dia a desilusão fazia aquele homem sentir-se um fracassado, a mãe deixava os filhos em casa para trabalhar duro numa empresa de beneficiamento de arroz.
Naquela noite, todos comeram pão, banana, lingüiça e leite que o avô trouxera junto com a neta.
Como dizia, era madrugada e o barulho da chuva em vez de tranqüilizar deixava aquela mãe mais preocupada, primeiro com o marido que ainda não voltara, e depois com a água que poderia transbordar o riacho .
A luz iluminou aquele quartinho e a filha mais velha acordou-se, tentou levantar para ir ao banheiro foi então que notou que ali ao lado da cama a água subia e estava chegando ao colchão.
Outro relâmpago e ela viu os poucos pertences de sua família boiando. E também uma pequena cobra d'água tentando sair dali.
Aos gritos acordou a mãe, e ficaram ali desolados , tontos sem saber o que fazer. Bem, minha memória em retalhos não vai adiante, o drama foi grande lembro-me apenas dos gritos de horror da minha mãezinha. Como fomos salvos e por quem, não lembro. Só lembro que minha avó havia dado uma galinha e alguns pintinhos para minha mãe de aniversário e eles estavam mortos boiando no quintal.
Fomos salvos, pessoas caridosas nos ajudaram, crescemos com uma vida melhor, meus pais mudaram de cidade e conseguiram fazer com que seus filhos tivessem uma vida melhor que a deles. Mas, na minha memória ficou aquele pesadelo.
O rio Itajaí-Açú enche rápido.Somente quem já morou lá no Vale sabe como é.
Estou muito triste nestes últimos dias e tenho acordado no meio da noite e pensado e orado muito pelos meus irmãos catarinenses, sei bem como é perder a casa, os poucos pertences . Tudo, até a esperança.
( A menina mais velha era eu)