'A memória'
Luiz Coronel
Epa!
Dona memória,
inoportuna senhora.
Não me venha assim,
arrastando andrajos,
ostentando cicatrizes
sob a blusa.
Vista sua mais louca
fantasia,
cinto dourado
e penachos na testa
para comparecer aos meus salões.
Ria, qual doidivana,
transformando em comédia
pesados padecimentos.
Se quiser vir em comissão
traga o comparsa
cujo rosto me enterneça.
E respeite o silêncio
dos mortos,
seu sono lunar e branca ausência.
Não tente caminhar no escuro
e deixar sobre meus sapatos
empoeiradas culpas.
Ponha calças curtas.
Encha os bolsos de bolinhas
de gude.
Voe com as pandorgas,
namore.
Dance um tango.
Tudo o que a senhora
tenha a me contar
está escrito no meu rosto.
Será que não basta
o álbum de retratos?
Peneire os grãos
antes de ferver meu prato.
O que for lágrima,
desencontro,
envie por sedex
ao país do esquecimento.
Alugue uma bicicleta,
dona memória.
Quero vê-la doida,
fútil e festiva
com um ramalhete
de junquilhos nas mãos.
Jogue fora essa valise
de pesares
que lhe encurva os ombros.
Tire o mofo
da gola do casaco
e perfume seus cabelos
no vento que faz cooper entre
as alamedas da Redenção.
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